sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Da Itália até os replicantes

Blow out
A imagem escraviza, já disse algum poeta.

No cinema, talvez não houve alguém que tivesse explorado de maneira tão genial a limitação da imagem - no sentido de que sempre há alguma inacessível -, como fez Michelangelo Antonioni. Dessa forma, em "Blow Up" (1966), o cineasta italiano mostra a impotência, não apenas como espectador, mas a do próprio personagem principal, quando este torna-se obcecado por uma foto. Uma imagem com o potencial de revelar; que não nem ser alcançável - e se for, como garantir a certeza daquilo que os pixels mal formados sugerem?

Anos mais tarde, Brian de Palma comandaria a direção de "Blow out" (1981). Com óbvia referência ao Antonioni, a versão do americano explorava dessa vez outra limitação dos sentidos, o som - que uma vez exposta na tela bidimensional, explicitava ao mesmo tempo um dos recursos que mais revolucionaram o cinema, e igualmente mantinha a sedução de seu suspense. A obra depalminiana foi sempre muito ousada no que diz respeito à estética visual; alguns dizem que De Palma é uma cópia barata de outro mestre que não apelava ao óbvio - Alfred Hitchcock. Isso é uma leitura leviana da obra do cineasta americano.

De Palma foi representante da ideia que a imagem cinematográfica pode ao mesmo tempo desempenhar o papel narrativo principal, e, por isso mesmo, ser trabalhada não necessariamente com o enfoque nos personagens. Assim, o visual - o que a tela mostra e também esconde - deve ser mais visceral que os próprios personagens. Razão essa, entre outras, que De Palma teve sempre interesse na obra de Hitchcock e Antoninoni - constantemente inserindo própria originalidade.

Não tenho certeza, mas arrisco-me a dizer que Ridley Scott teve forte influencia a partir da obra de Antonioni. Parece-me claro isso na cena de Blade Runner (1982), quando o caçador de androides destrincha uma foto - cena essencial para o desenvolvimento da narrativa. O contexto da cena do italiano é diferente da que acontece no mundo futurista, mas a inquietação - a busca pela identidade de um acontecimento escravizada na imagem - é essencialmente a mesma.

De Antonioni, passando por Hitchcock, De Palma e chegando a Scott, algo fica evidente: o cinema é um intercâmbio de inspirações; talvez mais do que isso, é talvez a única possibilidade de se libertar da frase do poeta - ou pelo menos causar a ilusão disso, através do aparente conforto da imagem em movimento, a qual estamos sempre à mercê daquilo que o cineasta coloca à disposição de nossos olhos.

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