domingo, 18 de agosto de 2013

O cinema estrangeiro do italiano Antonioni



Profissão: repórter (Profissione: reporter; The passenger 1975) é o terceiro longa filmado em língua inglesa pelo italiano Michelangelo Antonioni. Os dois outros foram Blowup (1966) e Zabrieskie Point (1960), ambos estimados pelo público cinéfilo. Com a realização de Profissão:repórter, Antonioni reafirma seu projeto fílmico que já havia começado com a trilogia da incomunicabilidade (A Aventura, A noite, O Eclipse) durante a década de 60. O diretor realiza nessa obra um repertório visual sobre a identidade de um homem que busca livrar-se de si mesmo buscando uma nova identidade. Não foram poucos os cineastas que realizaram longas jornadas rumo ao tema da identidade, mas, aqui, em Antonioni, encontramos uma rima temática entre imagem e roteiro (realizado a três mãos, incluindo Antonioni, Peter Wollen e Mark Peploe; este último também responsável por "O pequeno Buda" e "O último imperador", ambos do também italiano Bernardo Bertolucci) construída de uma maneira ímpar.
Em síntese, David Locke (Jack Nicholson) interpreta um repórter enviado à África para realizar algumas filmagens e entrevistas para um documentário de uma guerrilha. Em determinado retorno ao seu hotel, descobre um homem morto (Robertson). A partir daí Locke decide trocar de identidade com ele, acabando por se envolver em uma trama misteriosa que engloba fornecimento de armas para a guerrilha que documentava.
Antonioni encontra na premissa de troca de identidade um material fértil. Não parece recusar sua própria influência de filmes passados ao tratar o tema da falta de comunicação. Nesse sentido, a fotografia do filme funciona como um elemento narrativo essencial. Já no início do filme vemos Locke aparentemente perdido e desolado em uma paisagem desértica. Vale ressaltar a dificuldade de comunicação que o personagem enfrenta -, o que evidência novamente a coesão narrativa explorada por Antonioni em seus diversos filmes. De certa forma, Antonioni nos revela, nas cenas iniciais, uma antecipação que representa a psicologia do personagem.  Mais tarde, nas cenas passadas na cidade, o diretor parece querer criar um contraste psicológico quando nosso personagem encontra algum alívio momentâneo. Ainda assim, é patente que para Antonioni não há maneira de escapar da tragédia que se encontra em nós mesmos; não há fuga, nem mesmo a mudança de identidade é suficiente para escapar do inexorável destino do personagem.
O ato de assumir uma nova identidade também exige a fuga da antiga. Para todos os efeitos, Locke está morto agora, e assim deve ser inclusive aos seus relacionamentos mais próximos. Então é nesse contexto que Locke (ou Robertson), acaba conhecendo “a menina” (interpretada pela belíssima Maria Schneider) sem nome que o ajuda em sua peregrinação rumo aos compromissos da identidade roubada.  Em certo momento, após Locke revelar seu segredo, a menina o diz “Mas Robertson fez esses compromissos. Ele acreditava em alguma coisa. Isso é o que voe precisa, não é”? Como assertou o crítico de cinema Roger Ebert, Locke é um homem sem objetivos, e o aparecimento da menina fornece a ele uma companhia e uma testemunha, porém ambos estão desprovidos de planos presentes ou futuros. Nicholson nos brinda com uma atuação brilhante, talvez em uma rara atuação contida, certamente influência de Antonioni.


Se por um lado a fotografia parece revelar um pouco sobre o próprio personagem, a ausência de trilha sonora nos indica uma relação ainda mais severa com o ambiente no qual nossos personagens estão submetidos. O uso inteligente do som diegético reforça a desolação e também cria uma rima temática com as belas imagens de passeio (e fuga) carro, bem como a liberdade sonhada por Locke quando abre os braços quando passa por cima de um rio. O que nos leva a uma das cenas mais admiradas da história do cinema, o plano-sequência no final do filme. Para uma dimensão do que acontece: diz-se que Nicholson perguntou a Antonioni o porquê de investir tanto na construção de um cenário apenas para essa cena (construir do zero um hotel inteiro no meio do deserto espanhol). Segundo o diretor “Eu só não queria filmar a cena da morte”. A vontade de não filmar criou, paradoxalmente, uma das cenas mais belas e complexas já realizadas.
Michelangelo Antonioni faz parte de uma extirpe de cineastas que parecem estar em extinção. Rever os clássicos talvez seja uma maneira de entender o presente, ou apenas deliciar-se frente a um cinema que tem como objetivo a investigação humana antes que a diversão passageira.

• Direção: Michelangelo Antonioni
• Roteiro: Mark Peploe (história / roteiro), Peter Wollen (roteiro), Michelangelo Antonioni (roteiro)
• Gênero: Drama
• Origem: Estados Unidos/França/Itália
• Duração: 119 minutos

Autores (nota: 1-5)
Cesar Pinheiro (5/5)  
Cicero Escobar (4/5)