sexta-feira, 24 de maio de 2013

A maconha é realmente tão ruim?

[Texto publicado no blog da Liga Humanista Secular do Brasil - Bule Voador]

A Marijuana é uma droga polêmica. É demonizada por alguns como porta de entrada a outras drogas, e, por outro lado, também é celebrizada por sua promessa em aplicações médicas. Enquanto o júri não se decide por nenhum dos lados da moeda, uma coisa é certa: o uso dessa droga está em ascensão. De acordo com o Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, o número de pessoas que, nesse país, admitem ter experimentado maconha no último mês subiu de 14,4 milhões em 2007 para mais de 18 milhões em 2011.
Esse aumento pode ser devido, em parte, à falta de evidências fortes que suportem os riscos  que se suspeita serem causados pela Cannabis.  De fato, de maneira similar ao fumo do tabaco, embora a fumaça da marijuana contenha substâncias cancerígenas e alcatrão, inexistem dados conclusivos que possam ligar a maconha a danos nos pulmões. Um recente estudo de longo prazo, que, aparentemente, parecia ligar conclusivamente o uso crônico da maconha na adolescência com o baixo Q.I. de consumidores neozelandenses, foi rapidamente contestado por uma contra-análise que apontava razões de status socioeconômicos como um fator de  confusão. De acordo com o levantamento do Centro de Controle e Prevenção de Doenças, o uso da Cannabis entre os adolescentes têm aumentado na proporção em que os baixos riscos da marijuana têm sido percebidos; e os pesquisadores – e sem dúvida os pais também -, estão ansiosos para que se chegue mais ao fundo a questão.

Respire Fundo

Em 2012, um estudo realizado na Universidade da California, San Franciso (UCSF) calculou que fumando apenas um baseado a cada dia por 20 anos a maconha pode ser benigna, embora a maioria dos participantes fumasse dois ou três e baseados por mês. O epidemiologista Mark Pletcher, quem liderou o estudo, alegou: “Eu fiquei surpreso que não vimos efeitos (do uso da maconha)”.
Uma avaliação de vários estudos epidemiológicos aponta para um tamanho de amostra pequeno e estudos pobremente projetados como as razões para os cientistas serem incapazes de se comprometerem com a alegação da ligação entre a Cannabis e o risco de câncer. Por exemplo, um estudo de 2008 sugeriu que fumar marijuana poderia reduzir o risco associado ao câncer de pulmão derivado do tabaco, demonstrando que consumidores tanto da marijuana quanto tabaco têm um risco menor de câncer do que aqueles que fumam somente tabaco (embora o risco seja maior do que para os não fumantes). Entretanto, Pletcher não é otimista sobre os efeitos da maconha sobre os pulmões, e desconfia que ainda possa haver danos ao pulmão por efeitos de longo prazo que podem ser difíceis de detectar. “Nós realmente não podemos tranquilizar-nos acera do uso intenso”, explicou o cientista.


Seu cérebro sob efeito de drogas

Existem algumas evidências sugerindo que pessoas intoxicadas assumem mais rscos e apresentam comprometimento na tomada de decisão, bem como resultados piores em tarefas dependente da memória - e deficiências residuais (após consumo) têm sido detectadas dias ou mesmo após semanas após o uso. Alguns estudos também relacionam o consumo regular da marijuana com déficits de memória, aprendizado e concentração. Um recente estudo amplamente discutido sobre o Q.I. de neozelandenses  acompanhou consumidores da Canabbis, desde o nascimento,  e mostrou que os usuários consumidores a partir da adolescência tiveram valores mais baixos de Q.I. que os não usuários. Nesse estudo, conduzido por pesquisadores da Universidade de Duke, “você pode ver claramente que como consequência do uso da maconha, o Q.I. diminui”, disse Dekir Hermann, um neurologista clínico do Instituto Central de Saúde Mental na Alemanha, e que não esteve envolvido diretamente na pesquisa.
Entretanto, não menos que 4 meses depois, uma re-análise e simulação computacional  realizada  pelo Centro Ragnar Fisch de Pesquisa Enocômica em Oslo contrariou os dados  divulgados pela Universidade de Duke. Ole Rosberg sustentou que fatores socioeconômicos - e não o uso da marijuana -, contribuíram para os baixos Q.I. observados em usuários da maconha.
No entanto, a conclusão de Rogerberg pode ser contrariada por uma literatura considerável que suporta a ligação entre o uso da maconha e o declínio neurofisiológico. Estudos em seres humanos e animais sugerem que indivíduos que adquirem o hábito de consumir marijuana na adolescência enfrentam impactos negativos no funcionamento do cérebro, e alguns usuários encontram dificuldades para se concentrar e aprender novas tarefas.
Embora a maioria dos estudos sobre esse assunto sugere haver consequências negativas do consumo enquanto adolescente, os usuários consumidores a partir da idade adulta geralmente não são afetados. Segundo explica Hermann, isso pode ser devido a uma reorganização dirigida pels endocanabinóides presentes no cérebro durante a puberdade. A ingestão de canabinóides que se adquire com o uso da maconha pode causar um “um deturpamento do crescimento neural irreversível” disse ele.
Além das consequências na inteligência, muitos estudos sugerem que fumar marijuana aumenta o risco de esquizofrenia, e pode ter efeitos similares no encéfalo. O grupo de Hermann usou a técnica de imageamento por ressonância magnética para detectar danos associados ao consumo da cannabis na região pré-frontal do encéfalo e encontraram modificações similares àquelas vistas em pacientes com esquizofrenia. Outros estudos sugerem ainda que os esquizofrênicos consumidores da erva têm maiores mudanças no encéfalo associadas à doenças e um desempenho pior em testes cognitivos do que aqueles não fumantes.

Porém muito dessa pesquisa não é capaz de distinguir entre mudanças no encéfalo causadas pelo uso da marijuana e sintomas associados com a doença. É possível que os esquizofrênicos consumidores da maconha “possam apresentar sintomas desagradáveis (que precedem o quadro clínico da doença) e estejam automedicando-se” ao fazerem uso do efeito psicotrópico da droga, disse Roland Lamarine, professor de saúde comunitária da California State University. Ainda segundo ele, “nós não vimos uma elevação no número de esquizofrênicos, mesmo com o aumento de usuários da maconha”.
Outras pesquisas sugerem que o consumo da Cannabis entre os esquizofrênicos fez com que eles obtivessem melhores pontuações em testes cognitivos do que os esquizofrênicos não consumidores da droga. Esses relatos conflitantes podem ter ocorrido em virtude de diferentes concentrações – e diferentes efeitos -, dos canabinóides presentes na maconha. Além do tetrahidrocanabinol (THC), um canabinóide neurotóxico responsável pelas propriedades de alteração de estados mentais, a maconha também apresenta uma variedade de outros canabinóides não psicoativos, incluindo o canabidiol (CBD), o qual pode proteger contra a lesão neuronal. Hermann descobriu que o volume do hipocampo - a região do encéfalo importante para o processamento de memória - é um pouco menor em usuários de maconha do que em não usuários, porém o consumo da maconha com maior quantia de CBD balanceava esse efeito. 

Um coquetel mortal?
Embora os dados que suportem os efeitos nocivos da marijuana sejam fracos, alguns pesquisadores estão mais preocupados com a droga em conjunto com outras substâncias, como o tabaco, o álcool e a cocaína. Alguns estudos sugerem, por exemplo, que a maconha pode aumentar o desejo por outras drogas, levando, dessa forma, a má fama de droga como “porta e entrada”.  Um estudo publicado no início do mês de Janeiro apoiou essa hipótese ao mostrar que, pelo menos em ratos, a exposição ao THC aumenta os efeitos viciantes do tabaco. Além disso, a marijuana pode não ser compatível com outras drogas de prescrição médica, pois pode induzir o fígado a metabolizar medicamentos de forma mais lenta; portanto, aumentando o risco de toxicidade.
Apesar dessas preocupações, Lamarine sustenta - em virtude da quantidade de pesquisa focado nesse assunto -, ser pouco provável as consequências do uso maconha serem calamitosas. Arremata dizendo: “Nós não vamos acordar amanhã e nos depararmos com a grande descoberta que a maconha causa grandes danos ao encéfalo. Se assim fosse, já teríamos visto isso a essa altura”.

Autor: S
Tradução: Cicero Escobar

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Filosofia da ciência nas ciências

[Uma versão mais ampla do texto foi publicada no blog da Liga Humanista Secular do Brasil - Bule Voador]
Thomas Kuhn, filósofo da ciência formado em física pela Universidade de Harvard.
Dentre suas obras destaca-se "A revolução copernicana" e "Estrutura das Revoluções Científicas".
                Não raro encontra-se certo desprezo de cientistas, ou futuros cientistas, pela filosofia. "Filosofia não serve para nada", dizem alguns.
                Uma postura dessas revela vários desconhecimentos sobre o que é e para que serve filosofia. Nesse momento pretendo restringir-me somente a filosofia da ciência. A indiferença, ou no pior nos casos o desprezo, denuncia pelo menos dois aspectos: um desconhecimento histórico de como a ciência evoluiu e uma pretensão que não cabe aos cientistas.  
                Com relação a primeira, é curioso destacar que no passado o que hoje chamamos formalmente de ciências era nomeado de Filosofia Natural. Não por acaso, portanto, que o termo PhD - que se mantém até hoje -, significa, no Latim Philosophiae Doctor (Doutor em Filosofia). Costumo dizer que é um parricídio intelectual negar a colaboração histórica da filosofia para com a ciência; é assassinar os próprios pais. Para alguns, é não reconhecer a legitimidade de seus progenitores: um ato de atear fogo em sua própria casa. Já ao segundo equivale a uma postura endeusada da ciência que muitos tomam em um discurso totalmente acrítico. Se fossem capazes de reconhecer a importância da filosofia da ciência evitariam equívocos cientificistas (1); esses que são responsáveis por alegações pretensiosas de negarem a legitimidade de outras investigações não-científicas (como a literatura, a poesia e a arte em geral - ou ainda a ética, uma outra área da filosofia). Ou pior, são pessoas que podem se espelhar(*)em Stephen Hawkings que, embora um excepcional cientista, chegou a dizer que a filosofia estava morta (2). Hawkings, talvez, não está atualizado, ou despreza completamente autores como Steven Pinker, Daniel Dannett, Sam Harris e Michael Shermer.  Além desses, precisa, urgentemente, ler Susan Haack.
                Como pode ser destacado dos textos da filósofa supracitada e de outros, como Thomas Kuhn, os cientistas muitas vezes não precisam e nem possuem tempo para alocar a uma atividade filosófica. Assim, não estou sugerindo a obrigatoriedade de leituras filosóficas nos cursos científicos. Minha observação é antes algo mais basilar, embora preocupante. Trata-se de um desprezo, que, nesse caso, é mais pernicioso que a indiferença. Enquanto a última representa uma apatia aos textos filosóficos, a primeira transcende isso. O repúdio e o preconceito pela filosofia é um prejuízo no sentido de ignorar uma estrutura na qual benefício mútuo pode ser adquirido. Nesse sentido, a leitura Kuhniana ajuda-nos (3):  
'Não é por acaso que a emergência da física newtoniana no século XVII e da relatividade e da mecânica quântica no século XX foram precedidas e acompanhadas por análises filosóficas fundamentais da tradição de pesquisa contemporânea. Nem é acidental o fato que em ambos os períodos a chamada experiência de pensamento ter desempenhado um papel tão crítico no progresso da pesquisa. Como mostrei em outros lugares, a experiência de pensamento analítica que é tão importante nos escritos de Galileu, Einstein, Bohr e outros é perfeitamente calculada para expor o antigo paradigma ao conhecimento existente, de tal forma que a raiz da crise seja isolada com clareza impossível de obter-se no laboratório. '

                Outro exemplo: a publicação da obra do filósofo empirista David Hume intitulada "Diálogos sobre a religião natural" (4). Baseada parcialmente na obra “De Natura Deorum” (do filósofo romano Marcus Tullius Cicero), o filósofo escocês antecipa em 80 anos as conclusões da comunidade científica acerca do mito de criação das espécies. A evolução por seleção natural, descoberta por Charles Darwin e Alfred Wallace, junto com as elucubrações de Hume evidenciam que a filosofia não é, necessariamente, uma atividade distinta da ciência. Embora seja comum que ambas façam uso de métodos diferentes, encontra-se  muito interesse comum em ambas atividades.
                Ignorar avidamente, bem como promover escárnio relativo ao trabalho afanosamente realizado por filósofos durantes séculos é um atentado intelectual com consequências danosas ao compromisso da busca pelo conhecimento honesto.


(*)Certa vez em um debate meu interlocutor não conseguia entender o motivo pelo qual a revista Scientific American trazia em uma de suas edições uma capa dedicada aos erros históricos dos cientistas. “Cientistas não erram, eles têm certeza” dizia ele. Pior ainda, alegava que o ato de crer não poderia existir na atividade científica. Após uma breve exposição minha que ele estava, talvez, confundindo que nem toda crença é uma fé, mas toda fé é um crença, ainda assim não percebia que crer é dar crédito a algo; a ciência é uma atividade humana, e, portanto, incorre a erros e está subjugada a crenças também.

Referências

[Texto traduzido para o português (por Eli Veira):  http://lihs.org.br/artigos/Haack_Seis_Sinais_de_Cientificismo_LiHS_2012.pdf]